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terça-feira, 10 de novembro de 2009

SOBRE AS CRIANÇAS E OS ADULTOS

'Onde há uma criança os adultos devem deixar de ser o assunto principal. Onde estiver falando uma criança que calem os adultos.

Infelizmente deve ser assim. Nós, adultos, somos cheios de querências e traumas. Nós usamos muito a consciência, trabalhamos o nosso pensamento o tempo todo. As crianças ainda estão livres. As crianças são muito mais inconscientes.

Enquanto nós calculamos cada palavra para dizermos, maqueamos o nosso discurso, nos portamos adequadamente de acordo com a necessidade, nos submetemos a regras que muitas vezes não gostamos ou mesmo não aprovamos. As crianças vão pelo outro lado. Nós diariamente nos disfarçamos e desenvolvemos várias personalidades. Somos adultos atores de uma certa forma pois, estamos sempre performaticamente atuando em palcos da vida real. Dizendo apenas o que pode ser ouvido. Crianças não. Elas são mais constantes e quando falam são mais sinceramente. A verdade está mais perto delas uma vez que ela ainda não tem domínio sobre o jogo gramático e lingüístico. Elas não usam ceras para tapar possíveis falhas no falar. Tudo isso aliado aos limites da idade e da formação biológica impressa pelo tempo. Portanto nós adultos somos, o tempo todo, conscientes e as crianças, inconscientes. E veja se não é verdade: as crianças são em geral dominadas, para não dizer oprimidas, pelos adultos. Não precisa nem lembrar que aquele famoso psicanalista já deixou exposto que o inconsciente é o tempo todo oprimido pelo consciente. Também ouvi isso numa aula citado por um professor meu de literatura.

Muitas vezes queremos dizer algo, mas não podemos porque corremos riscos. Nossa fase de adulto obriga-nos a dizer ‘sim’ quando muitas vezes queremos dizer um ‘não’ bem grande. Sabemos muitas vezes onde está o certo, sabemos o que o nosso coração quer dizer e não o permitimos em virtude de uma série de circunstancias que criamos e consideremos suficientes para falsearmos o nosso discurso. Muitas vezes questão de sobrevivência.

Já as crianças são diferentes. Elas não conseguem dar aquele falso riso costumeiro de adultos que querem ser bem compreendidos e parecerem simpáticos. As crianças dizem o que querem e fazem o que querem porque elas ainda não perderam a auréola da inocência. Por isso criança não pode ser punida como adultos. Por isso criança não pode ser penalizada como um adulto. Lembro-me, isso mesmo, eu me lembro bem o dia em que perdi a auréola da minha inocência. Coisa rara em minha vida de esquecimentos. Eu pensava que já era adulto e já era grande, mas descuido meu. Eu ainda era uma pessoa em fase de formação. Já havia passado da adolescência formal. Acreditem. O mundo ainda era belo e cheio de sonhos. Foi exatamente quando em uma circunstância especial vi minha auréola caindo e com ela partindo o meu encanto pela vida. Estava desencantado a partir de então. Vi que o mundo não era aquilo que pensava e que muitas outras pessoas que conviviam comigo estavam certas. A vida não era o que eu pensava que fosse naquele primeiro momento. Desde então realmente vejo Sísifos rolando as suas pedras diariamente enquanto o mundo parece diminuir em espaço e em sinceridade e verdade.

Alegro-me ao perceber que todos nós em algum momento em nossas vidas já formos uma criança e que um dia fomos inocentes. Também alegro-me ao saber que todos nós passamos pelo mesmo processo de perda da inocência. Mas fico muito mais feliz em saber que talvez o verdadeiro encantamento aconteça somente quando nos desencantamos num primeiro momento e em um outro momento encontramos razões suficientes para nos encantarmos outra vez. A vida é cheia de razões para nos ‘reencantarmos’ como ela. Talvez alguém esteja pensando: mas como é possível ver alguém se encantar com a vida após tantas e tantas decepções? Um amor bem correspondido pode ajudar um ser humano a se encantar novamente, uma linda mulher, uma boa cabeça, uma verdade, um bom livro, um bom amigo ou uma boa amiga, um projeto. Mas e se eu me decepciono com o objeto do meu amor por algum motivo? Pode ser que o desencanto tome conta de mim outra vez e assim eu fique mais decepcionado com a vida. Sempre ouvimos a história de que no começo tudo são flores e que é difícil mantermos uma relação primaveril a diante da vida e diante os nossos relacionamentos. Não parece nesse contexto que o encanto anda muitas vezes de mãos dadas com o desencanto?

Então existe sim uma opção de um encantamento que não pode ser desencantado. E não é uma vara de condão nem o pedido a uma fada madrinha. O nosso encantamento está em justamente observar a vida de uma criança. Nunca ouviu dizer que elas vivem sempre num mundo encantado? Isso não quer dizer que eu tenha que negar a minha idade para ser feliz. Não é isso. Mas o fato é que podemos colher bons exemplos com elas. Claro que não dá para ser criança com a consciência que temos hoje da vida.

Somente existe uma forma de nos aproximarmos das crianças na idade adulta e essa forma é o jogo, o lúdico. Somente nele extravasamos e rompemos com os limites da nossa consciência. No jogo nós mergulhamos e vamos buscar forças para nos colocarmos nos limites de nossa existência, onde nós somos realmente nós mesmos, sem tirar nem por, porque no jogo damos tudo de nós mesmos. E nele não há disfarces. Estamos todos expostos e despidos.

Para justificar a frase no primeiro parágrafo desse brevíssimo texto e querendo saber se o que falo é justificável eu faço uma pergunta: de que lado estão então a pureza e a sinceridade da vida?'

Com a resposta o leitor.

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